quarta-feira, março 19, 2008

O RETRATO DE UMA PÁSCOA ADULTERADA, NO TRÁGICO ENREDO DA MISÉRIA

Os versos de desabafo, encontrados no poema, postado abaixo, foram escritos com base no relato de um homem anônimo, numa época em que ele passava por sérias dificuldades, num momento em que ele, mesmo sendo um privilegiado no quesito saúde, enfrentava sérios problemas.


Fui buscar esse poema – Cristo dos Desamparados –, forçado pelo sofrimento que envolve a muitos. Mas, principalmente, pela menina Maria Vitória, aquela que há dois anos vinha sendo humilhada, torturada, por uma empresária.

Abro, aqui, espaço para lembrar que a empresária Sílvia Lima já foi investigada, no estado de Goiás, pelo mesmo motivo: tortura de uma outra garota, hoje com onze anos, que aparecia na escola cheia de cicatrizes. Na ocasião, o caso foi arquivado. As “otoridades” do Judiciário de Goiânia estenderam o manto da impunidade sobre os ombros da torturadora. É sempre assim, a senhora cega costuma proteger criminosos, principalmente alguém que já construiu casas para uma elite. A justiça, com “j” minúsculo, é literalmente cega. Se, na ocasião, as “otoridades” tivessem punido a torturadora, pelo caso anterior, ela não teria repetido a barbárie com a menina Maria Vitória.

Os versos, editados a seguir, têm por objetivo amenizar o sofrimento dos enfermos do corpo e da alma; estimular a prática da justiça e eliminar o império da impunidade; punir os criminosos, os torturadores, estupradores, violentadores e curar as chagas das vítimas. Os versos, despretensiosos, tentam oferecer uma mão amiga aos injustiçados, num momento em que até a histórica data da Páscoa, também transformada em festa de consumo e ostentação, segrega os “bem aventurados, os humildes de coração”, traindo a doutrina de Cristo.

Com certeza, se Jesus, hoje, voltasse à terra, em forma de homem, novamente destruiria o templo dos vendilhões, dos chacais e carniceiros, dos corruptos e enganadores. Não ficaria pedra sobre pedra no templo da orgia e da corrupção. E o Senhor, se me escuta agora, tenha certeza, poderia contar com o meu apoio incondicional. Políticos desonestos, profanadores da verdadeira fé, falsos profetas ungidos com sangue de serpente, aqueles que usam as palavras de Jesus, como escudo para suas trapaças, seriam escorraçados e punidos com o fogo dos anjos vindos do céu. Não ficaria pedra sobre pedra.

A foto, que acompanha este texto, bem retrata a desigualdade social, que, até agora, só teve fim no discurso de alguns políticos. Trata-se de um homem, abandonado pelo poder público e esquecido pela família, que perdeu o rumo de casa, de um lar que, certamente, para ele, nem existe mais. Seus utensílios de vida: um cabo de vassoura improvisado em bengala, um boné surrado, onde, de vez em quando, pinga uma moeda, e uma garrafa de cachaça barata. Onde o senhor mora? “Aqui, onde agora você me achou”, respondeu, num linguajar catarroso, difícil de compreender. Para ele, conforme cita o poema, a tosse é o tambor da morte.

O homem da foto é o retrato de uma Páscoa adulterada. Como tantos outros, ele respira, mas não vive. Não mais anda, se arrasta. Não dorme, adormece. Não sofre, padece. Apenas dá sua contribuição para uma estatística lastimável, no enredo da miséria. No seu rastro de desgraça, deixou para trás vendilhões que, talvez, tenham enriquecido vendendo a ilusão do álcool.

Como não encontro significado nessas festas materializadas, quando a mídia vende até prego para quem precisa de parafuso, quando o cordeiro é imolado apenas para que os carrascos lambam seu sangue, fui buscar o poema da gaveta informatizada e, repentinamente, esbarrei no cenário da foto, no bairro Monte Cristo, região continental de Florianópolis, a poucos metros de um quartel da Polícia Militar. Na verdade, o senhor da foto, a síntese do sofrimento e da decadência humana, estava encostado ao muro da PM.

Como tantas pessoas, não me emociono com a Páscoa, da forma como a festividade acontece, com farra-de-boi, “surrasco” no sábado, cachaçada, assassinatos, tragédias no trânsito. Até sofro em saber que um frágil coelhinho terá que botar ovos enormes, para saciar a gula de alguns. Pobre bichinho! No domingo, coitado, estará todo arrebentado por dentro. Aliás, tem coelhinho agarrando o mato, sempre que alguém fala em ovo de Páscoa. Dizem até, que alguns coelhos mais espertos, amigos de políticos, marcaram cesariana para evitar a dor do parto do ovo.

Busquemos, então, nessa Páscoa, o caminho do entendimento e da compreensão, do perdão, da tolerância, evitando a vaidade e a soberba, tentando a paz em sua essência, fugindo das drogas lícitas e ilícitas.

Inclusive porque, qualquer um de nós poderá ser o homem da foto, amanhã. E o amanhã pode ser hoje.

(Baby Espíndola)

CRISTO DOS DESAMPARADOS

Oh, Cristo dos desamparados e dos aflitos,

quero te revelar

na condição de filho em espírito

- aquilo que bem sabes -,

que estão a me perseguir.

Usam de todos os argumentos

para me derrubar moralmente,

e aguardam a minha queda

como a cobra ultra-venenosa

que corre do local da picada,

porque a vítima poderá tombar

sobre seu corpo esguio e peçonhento.

Usam até manobras judiciais,

com argumentos mesquinhos e torpes.

Massacram os meus passos

e eu não tenho a quem recorrer,

ninguém para lavar os meus pés cansados.

Cospem no meu rosto

e jamais alguém oferecerá os cabelos

para enxugar a humilhação,

nem irá orar pelo meu padecimento.

Colocam aos meus ombros exaustos

a cruz da vida,

e me deixam quase sem saída.

Preciso encontrar, imediatamente,

a Tua porta, Cristo dos desamparados!

Jogam sal nas minhas feridas

e riem do meu pranto.

Tenho sede,

sede de compreensão e de amor

e ninguém me oferece

a água que alivia a dor.

Amotinados, me atacam pelas costas,

com gestos covardes.

Dilaceram os alicerces materiais

que me sustentam

e tentam denegrir minhas convicções,

que confesso, já não são muitas,

pois que minhas reservas estão se esgotando.

Perseguido, humilhado,

bem sei, cometo erros graves,

erros do desespero,

que somente Tu, Cristo dos desamparados,

poderás entender e perdoar.

Poucos são os instantes de total lucidez,

como agora o faço,

para desabafar ao papel,

esse monólogo da flagelação.

Infelizmente, não me compreendem,

nem mesmo quando faço o sacrifício da solidão,

isolamento necessário à introspecção.

Os que me perseguem

não conseguem nem mesmo explicar seus motivos,

o que me faz acreditar,

como agora me ocorre

(nessa fria madrugada de julho,

quando o tambor da tosse

marca a cadência da doença, da aflição

e da destruição da carne)

que, mais uma vez,

eles não sabem o que fazem.

Por isso,

através da Tua Santa Sabedoria,

tento chegar aO Pai,

para implorar,

que os perdoe,

pois não ultrapassaram ainda

a desprezível condição de sanguinários carrascos,

que precisam milenarmente

crucificar cristos anônimos,

filhos do povo,

Teus irmãos em espírito,

filhos do Mesmo Pai

que por milagre Te gerou.

Filhos,

todos eles diferentes destas bestas sem juízo,

loucas, enraivecidas, ensandecidas,

muito bem produzidas, bem maquiadas,

que se escondem sob os mantos de cordeiros.

(Baby Espíndola - Madrugada de 09/07/97)


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