terça-feira, maio 20, 2008

TOLERÂNCIA ZERO, NO SHOW DA DESGRAÇA

Um duplo homicídio, ocorrido na bucólica Lagoa da Conceição – “um pedacinho de terra, perdido no mar (...) beleza sem par”, conforme cantou o poeta –, aparentemente é só mais um numeral na fúnebre estatística, um caso isolado, num contexto geral de violência. Mas, não deve ser observado sob essa ótica.

Para jornalistas, ou quase jornalistas, que estão enriquecendo com a violência, trata-se apenas de mais um degrau na escada da fama. Um detalhe a mais na escalada das pesquisas de opinião pública, que registram a audiência da televisão.

A execução sumária dos jovens André da Luz e Alexandre Gentil da Luz,26 anos, na madrugada de sábado, em frente à sede da Sociedade Amigos da Lagoa – SAL –, nos conduz a uma reflexão mais aprofundada, sobre o papel do Estado, na proteção do cidadão.

André da Luz, que trabalhava como vigilante noturno, já havia registrado quatro – quatro, quatro! – boletins de ocorrência, o burocrático e inútil BO, na delegacia da região, contra dois homens, que o ameaçavam com armas de fogo. André conhecia quem queria mata-lo. Nos registros oficiais que fez, relatou que levou um tiro na perna e que o mesmo pistoleiro, em outra ocasião disparou um tiro para o alto, com o corriqueiro aviso: “O próximo é na cabeça!” O criminoso é mais um protegido pelo IBI – Instituto Brasileiro da Impunidade.

Apesar disso – e não há informações contrariando essa afirmativa –, nem o delegado, nem um investigador, ninguém tirou o traseiro da cadeira, para investigar. Por que um vigilante noturno, que precisa descansar durante o dia, perderia seu precioso tempo, registrando boletins de ocorrência? Só se fatos de natureza grave estivessem em andamento.

E é justamente o que vinha acontecendo. Fatos graves: André fora alvo de tiros e buscava a proteção do Estado, no país errado. Quatro BOs não sensibilizaram as “otoridades”, que preferem recolher cadáveres, diante das agitadas câmeras de televisão, com narradores eufóricos, sempre muito apressados, como se os cadáveres fossem evaporar, ou sair voando como borboletas.

Se André tivesse descoberto a tempo, que estava buscando proteção no lugar errado, talvez ainda estivesse vivo.

André tinha um suspeito, falou sobre ele para as “otoridades”. O suspeito é o mesmo. Se agora, depois do duplo homicídio, a polícia considera o autor dos disparos um “suspeito”, passível de investigação, por que não fez o mesmo antes? Um tiro na perna, com lesão e um tiro para o alto, com ameaças, são mais que suficientes para colocar alguém atrás das grades, em qualquer país civilizado. Menos no Brasil. Por isso, devemos exigir tolerância zero para a criminalidade.

Esse caso, ocorrido na Lagoa da Conceição, está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios, de Florianópolis. Agora, os policiais começam a correr, atrás do prejuízo. Dois irmãos foram mortos a tiros – André e Alexandre – e um terceiro fugiu do tiroteio. Os três não têm passagem pela polícia, o que não quer dizer que sejam santos.

E que sejam instauradas investigações para apurar a omissão daqueles que têm por função prevenir o crime, investigar todos os tipos de denúncias, desde que fundamentadas, e punir responsabilidades.

Só vamos nos livrar das entranhas da criminalidade, dos tentáculos do crime organizado e desorganizado, com leis mais duras (o que, finalmente, o Congresso Nacional, parece, está disposto a criar), mas, com o devido cumprimento. Tolerância zero!

O Estado / Nação é o órgão arrecadador de impostos e taxas, de maneira ensandecida, muito pouco se preocupando com a prestação de serviços, inclusive em áreas cruciais para o bem estar da sociedade, como segurança e saúde.

No setor segurança, as “otoridades” alardeiam uma falsa redução da criminalidade, não porque os criminosos estejam nas cadeias ou se aposentando. É justamente por uma razão muito simples, que o vigilante André não compreendeu a tempo.

Ocorre que as vítimas de crimes contra o patrimônio e até contra a pessoa não estão mais procurando as delegacias de polícia para registrar os inúteis BOs. Porque essa burocracia, por si só, não resolve problemas, se não for precedida de medidas práticas, tais como investigação, identificação de criminosos em potencial, que fazem ameaças e que partem da fase da ameaça para a prática, e até prisão preventiva, para evitar a ação delituosa.

O que se vê é um descalabro. Furtos, roubos, arrombamentos, definições populares para os crimes mais comuns contra o patrimônio, e ameaças contra a vida, não são investigadas. Somente quando alguém grita – e aqui não se trata de narração esportiva: “Tá lá um corpo estendido no chão!” –, aí sim, policiais se apressam para chegar ao local, antes das equipes de reportagem.

Toda essa incompetência está conduzindo a sociedade para os braços de um poder paralelo, inclusive para o reinado das milícias, que proliferam em todo o país, inclusive muitas formadas pelos próprios agentes de segurança, com bandidos infiltrados. Ou, são criadas por bandidos, contando com a participação de agentes da lei.

Há que se admitir, ainda, o surgimento de milícias formadas por cidadãos revoltados com a negligência do Estado / Nação, que tentam conduzir suas ações, na busca desesperada da justiça. Nem sabemos se isso é possível. O que se sabe, é que o poder das “otoridades” está falido.

Enquanto escrevo, no cumprimento legal de uma profissão que ainda conta com a confiança da sociedade, agentes da lei e da ordem pública estão alvoroçados, muito prestativos e diligentes, talvez até recolhendo cadáveres e nos fazendo acreditar que estão interessados, de fato, no combate à criminalidade. Mera ilusão. É que, nesse momento, pouco passando das 10 horas, os programas de televisão, que se alimentam do sangue das vítimas da violência, estão caçando detalhes da desgraça. E os agentes da segurança recebem ordens para interpretarem seus papéis muito bem decorados.

São os figurantes legais no show da desgraça. Tentam passar, para grandes públicos, a idéia de uma polícia ágil e operante, protetora intransigente do cidadão. Mas isso é só ilusão.

Isso porque, quando câmeras e microfones retornam às estações, os agentes da lei e da ordem, fardados ou vestindo trapos civis, num desleixo facilmente perceptível e condenável, relaxam por completo. E somente a burocracia continua funcionando, com os seus boletins de ocorrência.

É claro, ainda podemos contar com as boas e raríssimas exceções. Mas, as ações de policiais dedicados à função fim, são fatos a cada dia mais isolados e escassos na seara da incompetência e negligência. Que é a regra ditada pelo Estado. O Estado faz o seu papel: faz que faz.

Importantes decisões devem ser tomadas, com urgência. O bom senso exige tolerância zero contra o crime.

Baby Espíndola

Um comentário:

Anônimo disse...

Enquanto lia sua matéria comecei a chorar porque estou sentindo na pele isso e simplesmente não sei pra quem reclamar sendo que já recorri para os BOs(mais de um, inclusive com notícia crime) e até agora nada aconteceu. Já estou até com a idéia de fazer justiça com as minhas próprias mãos porque não vejo solução para o que está acontecendo.
Tudo começou com a demição de um funcionário que agora está agindo como se os problemas de sua vida fossem culpa dos outros(O cara é psicopata).

Como disse Jesus, o meu Reino não é daqui, e apesar de ser um tanto descrente passei a acreditar que tudo isso faz sentido porque nesse mundo não há justiça.